Sem penalidades 72d1a

Jorge Camargo

Adoro futebol. Sou quase que um jogador frustrado. De vez em quando arrisco minha reputao -- e a do meu time! -- no gol. Levando em conta a barriga avantajada at que me viro bem. Pensando nas paixes que desperta e nas asas imaginao que o seu encanto em mim concede, decidi fazer alguns paralelos entre uma partida de futebol e a vida.

Aos quarenta e poucos, me sinto cronologicamente no final do primeiro tempo de jogo. O placar? Bem, joguei com todo o empenho, fiz alguns belos gols. O score bem elstico, com vrios tentos assinalados por ambos os times. Tomei alguns gols antolgicos, daqueles que reconheo como obras-primas mesmo tendo sido feitos contra mim.

Estou prestes a ir para o intervalo, quando irei ouvir do treinador comentrios sobre os erros de marcao, as bolas que tomei pelas costas, as distraes nas jogadas de bola parada, as bolas perdidas no meio-campo e que propiciaram contra-ataques fulminantes. Ao fim da mini-preleo, antevejo suas palavras de encorajamento, semelhantes s que grita (junto com um monte de palavres) beira do campo, sem, contudo, ultraar os limites da rea tcnica e muito menos sem invadir a cancha, mesmo em casos extremos, como os de uma expulso injusta. Afinal, a mim cabe somente jogar o jogo.

Expectativas para o segundo tempo? Apenas a vontade de lutar sem entrega, a despeito do placar final. O grande prazer, a enorme satisfao de estar jogando, de contemplar a torcida ensandecida, roar os ps com todo o carinho sobre os muitos gomos da bola, imaginar as mais belas e inesquecveis jogadas...

Prorrogao? Talvez, mas se houver ser s canseira e enfado.

Ao apito final, quando se fecharem as cortinas do grande espetculo, somente uma certeza: seja qual for o resultado ltimo, no haver cobrana de penalidades.


Jorge Camargo, mestre em cincias da religio, intrprete, compositor, msico, poeta e tradutor. www.jorgecamargo.com.br