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31 de outubro de 2024
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Para fissurados por controle, cancelamento sada fcil 272c6v
Cancelamento verso nova de fenmeno antigo. Rejeita-se e exclui-se pessoas que pensam ou agem diferente do status quo. Nesse ponto, arraiais cristos tm seguido a boiada
Por Andr Ricardo Nunes Martins
Zelar pela s doutrina enquanto seguimos compromissados com e animados pelo princpio do exerccio da misericrdia e generosidade. Eis desafio constante e rduo de cristos e igrejas, liderana e rebanho. Equilbrio este ancorado na baliza bblica apontada como virtude do(a) servo(a) fiel que no se desvia nem para a esquerda, nem para a direita. Nosso alvo, portanto, buscar ser fiel, sem ser cruel.
Nos quase dois milnios de caminhada da igreja crist, a completarem-se em breve, a sequncia de altos e baixos. Ora a comunidade embalada pelo vento do Esprito Santo a instilar comunho, disposio para servir, orar, guiar-se pela Palavra e firmar-se na doutrina, ora se afrouxa a disciplina, a observncia da ortodoxia e da ortopraxia. Comunidades e geraes de cristos experimentam temporadas distintas de zelo e descuido quanto ao legado da f.
Mas como fcil errar a mo. Com facilidade joga-se fora tanto a gua suja da banheira quanto o beb. Na convico de que o certo a fazer. Outro dia, dei-me conta de trs pastores no cenrio brasileiro que ganharam projeo nos ltimos anos. Trouxeram reflexes e prticas que enriqueceram a vivncia da f de tantas comunidades e atraram muitos para Cristo. No atuam juntos, cada qual tem sua jornada, sendo de denominaes distintas. Fornecem um sopro de diversidade no cenrio evanglico verde-amarelo.
Infelizmente, ao mesmo tempo, em graus distintos, assumem ou flertam com perspectivas que se distanciam de um consenso doutrinal construdo pelas igrejas ao longo dos sculos. Noto, porm, que nem sempre o pensamento divergente que os faz serem isolados ou excludos. s vezes, o que determinante o fato de no se fazer parte da elite prestigiada. Assim, se a opinio esdrxula for expressa por algum chegado ou por algum de fora ser avaliada com menos ou mais rigor.

O mundo ps-Iluminismo teria feito o meio cristo se envergonhar da inquisio catlica e da verso protestante. Desde o comeo do sculo 19 deixou-se de torturar e queimar hereges. Uma evoluo? Sem dvida. Mas as igrejas trataram logo de inventar uma inquisio sem fogueiras alis, ttulo de livro de famoso pastor presbiteriano, o Rev. Joo Dias de Arajo (1930-2014).
Com a popularizao da internet e redes sociais, amos a conviver com o cancelamento verso nova de fenmeno antigo. Rejeita-se e exclui-se pessoas que pensam ou agem diferente do status quo. Nesse ponto, arraiais cristos tm seguido a boiada.
Dito isso, evoco Orgenes, um pai da Igreja que ofertou excelente contribuio terico-prtica ao cristianismo. Polmico, hoje seria alvo fcil de cancelamento. A Igreja Catlica no o canonizou. J o ramo protestante no o prestigia como deveria, ainda que Joo Calvino o tenha citado em sua obra-prima, nem sempre em desfavor. Alis, de Calvino, pode-se dizer que cancelava ideias, no pessoas.
Orgenes era um apaixonado pelo evangelho. Numa das ondas de perseguio pelo Imprio Romano, foi torturado, e veio a morrer em consequncia da tortura, em meados do terceiro sculo. Valho-me aqui do que sobre ele escreveram Roger Olson1 e Paul Freston2.
Egpcio de origem, Orgenes nasceu numa famlia de cristos. Foi discpulo de Clemente de Alexandria. Ainda jovem, castrou-se a si mesmo, levando ao p da letra as palavras de Cristo quanto a tornar-se eunuco pelo Reino de Deus. J antes quisera entregar-se s autoridades para morrer com o pai, Lenidas, aprisionado pelos romanos e martirizado. Sua me o impediu de faz-lo. Jovem tambm, sucedeu a Clemente na direo da Escola Catequtica de Alexandria, tornando-se escritor profcuo. Almejando o sacerdcio, o bispo local no o aprovou, alegando a castrao, mas o de Cesareia o ordenou. Abre-se um conflito na igreja e Orgenes troca uma cidade pela outra, prosseguindo em sua misso de apologeta.
Pode-se duvidar se algumas das heresias atribudas a Orgenes foram mesmo apoiadas por ele, mas daquilo que ficou dele, nota-se que especulou e aventurou-se para alm do que os apstolos e os pais da Igreja que o precederam firmaram. Nem vale a pena revirar esse ba. Mas isso no tudo. Como pontua Olsen: A contribuio de Orgenes, assim como a de tantos outros nessa histria, uma mistura de caractersticas positivas e negativas3.
Freston, por sua vez, pondera: Algumas das suas ideias doutrinrias foram posteriormente rejeitadas, sem que o valor de suas muitas outras contribuies fosse prejudicado. Mas ningum duvidou de seu amor a Cristo, sua santidade e seu exemplo como mestre4.
No largou a f, malgrado decepes, perseguies e tortura. Destemido, mas equivocado. Para fugir tentao, decidiu castrar-se. Ousado e criativo, valeu-se da filosofia grega para realar as verdades do evangelho. Sobre o mestre, diria o discpulo Gregrio Taumaturgo: com ele no havia tema proibido. No havia reas do conhecimento escondidas de ns. Mas tnhamos liberdade para estudar todo tipo de texto (...) E ele mesmo ia adiante de ns, nos segurando pela mo. (...) Assim ele nos apresentou tudo que til e verdadeiro em todos os filsofos, rejeitando tudo que falso5 .
Por fim, a quem a por algum tipo de cancelamento, bom lembrar que tambm se est em boa companhia. Em vez de se abater, recobre o nimo. Afinal, o cristo, como nos diz o autor de Hebreus, no daqueles que retrocedem para a perdio, sendo antes da f, para a conservao da alma (Hb 10.39).
Notas
1. Olsen, Roger. Histria da Teologia Crist, Vida, 2001.
2. Freston, Paul. Cristianismo Antigo Para Tempos Novos, Ultimato, 2024.
3. Olsen, Roger. Histria da Teologia Crist, Vida, 2001, p. 114.
4. Olsen, Roger. Histria da Teologia Crist, Vida, 2001, p. 114.
5. Freston, Paul. Cristianismo Antigo Para Tempos Novos, Ultimato, 2024, p. 37.
REVISTA ULTIMATO BBLIA: REVELAO E LITERATURA
Ultimato mostra, entre outras coisas, a riqueza das Escrituras quando lidas como literatura, sem diminuir o seu carter sagrado a sua inspirao divina.
E reafirmamos o que publicamos em outra edio recente: A Bblia Ainda Fala As Escrituras contm a narrativa que d sentido, esclarece e comunica a soberania e sabedoria de Deus. A lealdade ao que est exposto no Livro deve ser a marca dos cristos.
disso que trata a matria de capa da edio 410 da revista Ultimato. Para , clique aqui.
Saiba mais:
Cristianismo Antigo Para Tempos Novos Amor Bblia, vida intelectual e f pblica, Paul Freston
Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja, Christopher Hall
Calvinismo para uma Era Secular Uma leitura contempornea de Abraham Kuyper, Jessica R. e Robert J. Joustra
Por Andr Ricardo Nunes Martins

Nos quase dois milnios de caminhada da igreja crist, a completarem-se em breve, a sequncia de altos e baixos. Ora a comunidade embalada pelo vento do Esprito Santo a instilar comunho, disposio para servir, orar, guiar-se pela Palavra e firmar-se na doutrina, ora se afrouxa a disciplina, a observncia da ortodoxia e da ortopraxia. Comunidades e geraes de cristos experimentam temporadas distintas de zelo e descuido quanto ao legado da f.
Mas como fcil errar a mo. Com facilidade joga-se fora tanto a gua suja da banheira quanto o beb. Na convico de que o certo a fazer. Outro dia, dei-me conta de trs pastores no cenrio brasileiro que ganharam projeo nos ltimos anos. Trouxeram reflexes e prticas que enriqueceram a vivncia da f de tantas comunidades e atraram muitos para Cristo. No atuam juntos, cada qual tem sua jornada, sendo de denominaes distintas. Fornecem um sopro de diversidade no cenrio evanglico verde-amarelo.
Infelizmente, ao mesmo tempo, em graus distintos, assumem ou flertam com perspectivas que se distanciam de um consenso doutrinal construdo pelas igrejas ao longo dos sculos. Noto, porm, que nem sempre o pensamento divergente que os faz serem isolados ou excludos. s vezes, o que determinante o fato de no se fazer parte da elite prestigiada. Assim, se a opinio esdrxula for expressa por algum chegado ou por algum de fora ser avaliada com menos ou mais rigor.

O mundo ps-Iluminismo teria feito o meio cristo se envergonhar da inquisio catlica e da verso protestante. Desde o comeo do sculo 19 deixou-se de torturar e queimar hereges. Uma evoluo? Sem dvida. Mas as igrejas trataram logo de inventar uma inquisio sem fogueiras alis, ttulo de livro de famoso pastor presbiteriano, o Rev. Joo Dias de Arajo (1930-2014).
Com a popularizao da internet e redes sociais, amos a conviver com o cancelamento verso nova de fenmeno antigo. Rejeita-se e exclui-se pessoas que pensam ou agem diferente do status quo. Nesse ponto, arraiais cristos tm seguido a boiada.
Dito isso, evoco Orgenes, um pai da Igreja que ofertou excelente contribuio terico-prtica ao cristianismo. Polmico, hoje seria alvo fcil de cancelamento. A Igreja Catlica no o canonizou. J o ramo protestante no o prestigia como deveria, ainda que Joo Calvino o tenha citado em sua obra-prima, nem sempre em desfavor. Alis, de Calvino, pode-se dizer que cancelava ideias, no pessoas.
Orgenes era um apaixonado pelo evangelho. Numa das ondas de perseguio pelo Imprio Romano, foi torturado, e veio a morrer em consequncia da tortura, em meados do terceiro sculo. Valho-me aqui do que sobre ele escreveram Roger Olson1 e Paul Freston2.
Egpcio de origem, Orgenes nasceu numa famlia de cristos. Foi discpulo de Clemente de Alexandria. Ainda jovem, castrou-se a si mesmo, levando ao p da letra as palavras de Cristo quanto a tornar-se eunuco pelo Reino de Deus. J antes quisera entregar-se s autoridades para morrer com o pai, Lenidas, aprisionado pelos romanos e martirizado. Sua me o impediu de faz-lo. Jovem tambm, sucedeu a Clemente na direo da Escola Catequtica de Alexandria, tornando-se escritor profcuo. Almejando o sacerdcio, o bispo local no o aprovou, alegando a castrao, mas o de Cesareia o ordenou. Abre-se um conflito na igreja e Orgenes troca uma cidade pela outra, prosseguindo em sua misso de apologeta.
Pode-se duvidar se algumas das heresias atribudas a Orgenes foram mesmo apoiadas por ele, mas daquilo que ficou dele, nota-se que especulou e aventurou-se para alm do que os apstolos e os pais da Igreja que o precederam firmaram. Nem vale a pena revirar esse ba. Mas isso no tudo. Como pontua Olsen: A contribuio de Orgenes, assim como a de tantos outros nessa histria, uma mistura de caractersticas positivas e negativas3.
Freston, por sua vez, pondera: Algumas das suas ideias doutrinrias foram posteriormente rejeitadas, sem que o valor de suas muitas outras contribuies fosse prejudicado. Mas ningum duvidou de seu amor a Cristo, sua santidade e seu exemplo como mestre4.
No largou a f, malgrado decepes, perseguies e tortura. Destemido, mas equivocado. Para fugir tentao, decidiu castrar-se. Ousado e criativo, valeu-se da filosofia grega para realar as verdades do evangelho. Sobre o mestre, diria o discpulo Gregrio Taumaturgo: com ele no havia tema proibido. No havia reas do conhecimento escondidas de ns. Mas tnhamos liberdade para estudar todo tipo de texto (...) E ele mesmo ia adiante de ns, nos segurando pela mo. (...) Assim ele nos apresentou tudo que til e verdadeiro em todos os filsofos, rejeitando tudo que falso5 .
Por fim, a quem a por algum tipo de cancelamento, bom lembrar que tambm se est em boa companhia. Em vez de se abater, recobre o nimo. Afinal, o cristo, como nos diz o autor de Hebreus, no daqueles que retrocedem para a perdio, sendo antes da f, para a conservao da alma (Hb 10.39).
Notas
1. Olsen, Roger. Histria da Teologia Crist, Vida, 2001.
2. Freston, Paul. Cristianismo Antigo Para Tempos Novos, Ultimato, 2024.
3. Olsen, Roger. Histria da Teologia Crist, Vida, 2001, p. 114.
4. Olsen, Roger. Histria da Teologia Crist, Vida, 2001, p. 114.
5. Freston, Paul. Cristianismo Antigo Para Tempos Novos, Ultimato, 2024, p. 37.
- Andr Ricardo Nunes Martins, jornalista, mestre em comunicao e doutor em Lingustica. presbtero em disponibilidade e membro da Igreja Presbiteriana de Braslia.

Ultimato mostra, entre outras coisas, a riqueza das Escrituras quando lidas como literatura, sem diminuir o seu carter sagrado a sua inspirao divina.
E reafirmamos o que publicamos em outra edio recente: A Bblia Ainda Fala As Escrituras contm a narrativa que d sentido, esclarece e comunica a soberania e sabedoria de Deus. A lealdade ao que est exposto no Livro deve ser a marca dos cristos.
disso que trata a matria de capa da edio 410 da revista Ultimato. Para , clique aqui.
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Cristianismo Antigo Para Tempos Novos Amor Bblia, vida intelectual e f pblica, Paul Freston
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Calvinismo para uma Era Secular Uma leitura contempornea de Abraham Kuyper, Jessica R. e Robert J. Joustra
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