Michael Jackson: um funeral sem crise de conscincia 576c3w

Derval Dasilio

A est uma sria questo. Nossos parmetros no so humanistas. Porm, quando se trata de uma grande comoo, como a morte de um dolo/smbolo desses tempos de hipermodernidade (tudo exacerbado -- at o esparadrapo na conscincia coletiva ferida grande demais), Michael Jackson representa um dos maiores anseios do ser humano: imortalizar-se. Contudo, at os deuses morrem, e preciso achar um Olimpo para eternizar a memria idealizada de poder acima da morte. Observe bem: nos dominam a vontade de poder, de ter, de destruir valores essenciais; enfim, que rompam a cortina do tempo e da pr-histria da humanidade. Vida instintiva, atavismos, como queria Carl Jung. Diante dessa crise fomos capazes at de decretar a morte de Deus. E disseram que Nietzsche tinha enlouquecido quando disse tal coisa de ns.

Tudo isso no a da luta entre a morte e a vida. E a morte, como smbolo maior de tudo que nos oprime, quer se impor a cada dia, com nosso assentimento, seno pela conivncia. preciso, portanto, pensar com o apstolo Paulo: Porque Cristo ressuscitou, ns ressuscitamos com ele.

Algum colocou uma entrevista na internet como publicada em um grande jornal, mas que era evidentemente apcrifa: J olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? J andou de helicptero por cima da periferia de So Paulo? Soluo, como? S viria com muitos bilhes gastos organizadamente, com um governo de alto nvel, uma imensa vontade poltica, crescimento econmico, revoluo na educao, urbanizao geral. Se bobear, os polticos vo roubar at do crime organizado [...], e os juzes tambm, que impedem punies e vendem sentenas impunemente.

Hoje, podemos perguntar-nos como se constri uma identidade nacional. Como a massa to interessada em espetculos miditicos (funeral de Michael Jackson), Is hipcritas, futebol e carnaval, se transformaria num povo que ouve e v alm das encenaes que encobrem a realidade dolorosa da morte contra a vida (Norman O. Brawn). Misria das massas populares (conhecemos polticos evanglicos que vendem a alma por um mandato). Ps-industrializao, ps-modernidade, que isso? Quando se falar da ps-fome, ps-misria, ps-insalubridade, ps-deseducao, ps-desemprego em massa? At l, viveremos a cultura da violncia institucional, paralela do crime organizado e corrupo dentro das prprias instituies que nos governam, enquanto comentamos e nos comovemos, com reverncia, o funeral da celebridade.

Ajudados pela tecnologia, satlites, celulares, chips, megabytes e laptops, nos assemelhamos aos que se recusavam a ouvir Jesus e a necessidade de entender as intenes do Deus Salvador e Libertador: Eu sou a ressurreio e a vida.... So terrveis revelaes sobre as vises que temos de ns mesmos, enquanto elegemos a morte ao invs da vida. Escolhemos os piores para representar-nos, na igreja e na poltica. A quem reverenciaremos? A mdia, que transforma um funeral num espetculo mundial de vitria da morte?

A exposio constante da corrupo nos legislativos e executivos parece comprovar que as conscincias imediatistas dos bem-postos tambm esto sendo bem atendidas. Vai alm das duas bacias simblicas do Congresso Nacional: uma aberta, cncava, para receber benesses; outra convexa, para esconder as falcatruas dos nossos representantes? Niemeyer -- centenrio e brilhante -- e Lcio Costa nunca pensaram nesses simbolismos quando as projetaram. D arrepios saber que polticos evanglicos participam com a competncia de Mefistfeles na corrupo geral: o senador, o pastor, falcatruas, processos em cima de processos... Tambm est nos jornais de hoje: nunca aprenderemos. No prximo ano elegeremos os mesmos ditos servos de Deus para representar-nos no Congresso. Por falar nisso, Michael Jackson tambm no ser sepultado. E Elvis, ento, substitudo. Estarei enganado?