Opinio 1l3n6q
19 de maro de 2021
- Visualizaes: 5602
comente!
- +A
- -A
-
compartilhar
A Operao Final e a banalidade do mal 1ybh
PorCarlos Caldas
Operao Final Operation Finale no original um filme de 2018 do diretor norte-americano Chris Weitz, disponvel na rede de streaming Netflix. O filme baseado em eventos histricos: ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o alto escalo do governo nazista, que inclua figuras como Joseph Goebbels e Heinrich Himmler, alm do prprio Adolf Hitler, claro, tiraram as prprias vidas para que no fossem presos e julgados, o que aconteceu com alguns integrantes deste alto escalo, e muitos do mdio, no conhecido Julgamento de Nuremberg. Mas houve um elemento do mencionado alto escalo do III Reich que nem cometeu suicdio e nem foi preso, e em torno dele corre a narrativa do filme de Weitz. Por coincidncia, ele era xar de Hitler: Adolf Eichmann, o responsvel pela execuo da poltica nazista de transportar milhares de judeus para campos de concentrao no leste da Europa na poca da guerra. Resumindo: Eichmann foi o responsvel direto pela morte de muitos milhares de judeus.

Em 1960, exatos quinze anos depois do fim da guerra, e por coincidncia, o ano do sesquicentenrio da independncia da Argentina, a agncia de inteligncia de Israel foi informada, meio que por acaso que Eichmann estaria naquele pas. Depois de confirmada a informao, o prprio David Ben-Gurion, o primeiro a servir como Primeiro Ministro de Israel, ordenou que uma equipe do Mossad, o legendrio servio secreto daquele pas, fizesse uma operao arriscada para extrair Eichmann com vida da Argentina, para que ele fosse julgado em Israel. O conhecido e muito talentoso ator anglo-indiano Ben Kingsley faz o papel de Eichmann, o que demonstra sua versatilidade: em Misso no Mar Vermelho, de 2019, Kingsley faz o papel de um diretor do Mossad e, ainda mais impressionante, fez o papel-ttulo em Moiss, de 1996, ou seja, em momentos diferentes de sua carreira Kingsley deu vida ao personagem mais importante do judasmo em todos os tempos e, no extremo oposto, ao homem que queria exterminar todos os judeus do planeta (detalhe curioso no filme de 1996 que a brasileira Sonia Braga faz o papel de Zpora, a esposa de Moiss).
Voltando a Operao Final: a narrativa de Weitz mostrar como Eichmann foi capturado pelo agente israelense Peter Malkin, interpretado pelo ator guatemalteco-estadunidense Oscar Isaac, que um quase ssia do ator brasileiro Rodrigo Lombardi. Outro detalhe curioso sobre o elenco do filme, a presena do ator israelense Lior Raz, que meio que repete seu papel de agente, o mesmo que tem na srie Fauda, tambm disponvel na Netflix.
Operao Final tem alguns furos no enredo, pois no gasta nem um segundo de sua narrativa para mostrar como Eichmann conseguiu se refugiar na Argentina, e no explica a cumplicidade da polcia local com uma espcie de clula nazista que fazia reunies regularmente em Buenos Aires. Mas este sempre um problema de filmes baseados em eventos histricos. Diretor e roteirista que se aventuram a encarar uma empreitada dessa natureza precisam encarar o dilema entre filme e documentrio, o que no nem um pouco fcil. Outro problema do filme que Eichmann apresentado como uma figura simptica. Ele praticamente se torna amigo de Malkin, o agente que o capturou. O filme sugere uma Sndrome de Estocolmo s avessas, pois ao invs do capturado se afeioar ao seu captor, como na verso clssica do transtorno psicolgico que pode acontecer (e efetivamente acontece) em momentos de muita tenso, como um sequestro prolongado, aconteceu o contrrio: o captor se afeioou ao capturado. No sei se isso aconteceu durante a captura de Eichmann ou se uma liberdade do roteirista do filme.
Problemas parte, o filme toca em ponto muito sensvel da trajetria humana na Terra: a banalidade do mal. Esta foi a expresso usada pela filsofa judia alem Hannah Arendt para descrever a situao que envolveu Eichmann1. Um homem com muitos milhares de mortes na conscincia alegou que fez o que fez porque estava cumprindo ordens, sem demonstrar ter qualquer sentimento de remorso ou arrependimento por causa disso.
O ser humano uma criatura ambivalente, capaz de atos belos de nobreza, altrusmo e generosidade, mas igualmente capaz de atos horrveis de maldade, egosmo e crueldade. Os telogos reformados holandeses do Snodo de Dordt no sculo XVII propam o princpio da depravao total do homem. H que se entender total no sentido de extenso, no no sentido de profundidade. Se o ser humano fosse totalmente depravado no sentido de profundidade, deixaria de ser humano para se tornar um demnio. A totalidade da depravao no sentido que todos pecaram, conforme a declarao de Paulo em Rm 3.23. Em outras palavras: a depravao humana horizontal, e no vertical. Todos os humanos, sem exceo, pecaram. Mas quando lemos relatos a respeito do que pessoas como Hitler e Eichmann fizeram somos levados a duvidar da interpretao que fala da no profundidade e da no verticalidade da depravao humana: parece que eles foram totalmente depravados em sentido absoluto, pois no h nenhum sinal que houvesse da parte deles o menor sentimento de crise ou desconforto por terem feito o que fizeram. E no apenas os dois Adolf do governo nazista. Quantos outros lderes genocidas houve? Quantos torturadores? Quantos extermnios de povos, quantos assassinatos em massa? Desgraadamente, exemplos no faltam. Pode-se afirmar, sem medo de exagerar, que a histria da raa humana a histria da violncia, seja do humano contra outro humano, seja do humano contra o meio ambiente sim, o ecocdio, isto , a destruio do meio ambiente, da natureza, tambm um crime e se constitui em pecado grave aos olhos do Criador. Quantas pessoas para as quais o mal algo banal, para usar a linguagem de Arendt, uma coisa comum. Quantas pessoas para as quais matar uma criana e beber um copo dagua est no mesmo nvel.
Mas o mal pode ser tornar banal no apenas para humanos que se demonizaram, como Eichmann. O mal pode se tornar banal para cidados respeitveis, pais de famlia, pessoas srias, cumpridoras de seus deveres e que pagam seus impostos. Males menores, mas que nem por isso deixam de ser males. muito fcil resgatar um exemplo de maldade da histria, distante de ns no tempo e no espao, ou do outro, que no confessa a mesma f que professamos, ou que no do partido poltico que apoiamos e dizer que ele ou ela banalizou o mal. Diante da realidade do mal moral, cada um de ns desafiado a olhar para si e se examinar. Neste autoexame, dois extremos devem ser evitados: o da autopunio e autoflagelao, que prendem a pessoa a uma culpa sem fim, o que transforma a vida (de quem assim faz e de qualquer um que estiver ao seu redor) em um inferno, e o de banalizar o mal, considerando-o como qualquer coisa, menos o mal. A nica soluo para estes extremos humanos est no evangelho de Jesus Cristo, que chama o mal de mal, mas oferece perdo e recomeo.
Exemplos como o de Adolf Eichmann so assustadores. Mas servem para nos lembrar que Deus em Jesus Cristo nos oferece perdo, cura e libertao do mal.
--
Nota
1 Hannah Arendt. Eichmann em Jerusalm. Um relato sobre a banalidade do mal. So Paulo: Companhia das Letras, 1999.
--
Nota
1 Hannah Arendt. Eichmann em Jerusalm. Um relato sobre a banalidade do mal. So Paulo: Companhia das Letras, 1999.
>> Conhea o livro O Mal e a Justia de Deus, de N. T. Wright
professor do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio da PUC Minas, onde coordena o GPRA Grupo de Pesquisa Religio e Arte.
- Textos publicados: 86 [ver]
19 de maro de 2021
- Visualizaes: 5602
comente!
- +A
- -A
-
compartilhar
QUE BOM QUE VOC CHEGOU AT AQUI. 3c2p5s
Ultimato quer falar com voc.
A cada dia, mais de dez mil usurios navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, alm do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bblicos, devocionais dirias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, alm de artigos, notcias e servios que so atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.

Leia mais em Opinio 5h1i9

Opinio do leitor w2a3f
Para comentar necessrio estar logado no site. Clique aqui para fazer o ou o seu cadastro.
Ainda no h comentrios sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta necessrio estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o ou seu cadastro.
Ainda no h artigos publicados na seo "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em ltimas 1s2e6n
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu h...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e Histria
- Casamento e Famlia
- Cincia
- Devocionrio
- Espiritualidade
- Estudo Bblico
- Evangelizao e Misses
- tica e Comportamento
- Igreja e Liderana
- Igreja em ao
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Poltica e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Sessenta +
- Srie Cincia e F Crist
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Crist
Revista Ultimato 4q3o1f
+ lidos 4555x
- Esperana utilizvel
- Domingo da Igreja Perseguida (DIP) 2025 acontece dia 15 de junho
- Lamento. Rinaldo de Mattos (1934-2025)
- Dilogos de Esperana vai ouvir adolescentes
- O que esperar do papado de Leo XIV? Observaes de um protestante
- A relao apaixonada dos evanglicos com Israel
- Reversos da vida
- Pais, acreditem em seus filhos!, pedem adolescentes
- Marcas bblicas na psicologia e na psiquiatria
- Conclio de Niceia 1.700 anos